Autor: Heitor Baptista Pato
viernes, 16 de noviembre de 2007
Sección: Artículos generales
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Sinais do nascimento de Cristo na Hispânia: dos prodígios solares à queda de Endovélico
Dizem antigas tradições que no dia em que Cristo nasceu foram presenciados na Hispânia três sóis que se fundiram num só, ou que - segundo outras versões - haveria sido avistada uma nuvem luminosa, a qual acabaria por mergulhar na costa atlântica de Portugal, junto ao Cabo Espichel; e que no templo dedicado a Endovélico, no Alentejo, a estátua da deidade pagã fora sobrenaturalmente derrubada. Destes factos lendários nos dá conta, entre outros autores, o historiador Manuel de Faria e Sousa, nascido em Portugal mas que viveu longos anos em Espanha.
Os sinais prodigiosos
De acordo com o que os Evangelhos canónicos relatam, são bem conhecidos os sinais prodigiosos que teriam assinalado o nascimento de Jesus: o sobrenatural aviso que os pastores haveriam recebido dos Anjos (Lucas, 2:8-20) e o avistamento da extraordinária estrela que guiaria os Magos do Oriente até ao seu tabernáculo (Mateus, 2:1-12). Menos divulgada, todavia, é a tradição atestando que também na Península Ibérica teriam sido presenciados misteriosos e estranhos sinais a marcar esse dia, nomeadamente fenómenos solares que abrangeram toda a Hispânia e a destruição parcial do templo dedicado a Endovélico, implantado no território que hoje se situa na província portuguesa do Alentejo.
O historiador grego Dion Cassius (sécs. II/III d.C.), referindo-se ao "consulado de Appius Claudius e de C. Norbanus", quando Lívia Drusa casou com o imperador Octávio Augusto, escreve que antes dessa época, e portanto anteriormente ao ano de 38 a.C., haviam ocorrido "inúmeros prodígios, entre eles uma fonte de óleo que jorrou nas margens do Tibre, e houve ainda muitos outros. A cabana de Romulus, a seguir a um sacrifício que os pontífices aí haviam celebrado, foi consumida pelo fogo; uma estátua da Virtude, colocada diante de uma certa porta, caiu de rosto ao chão (…)" (9, Livro XLVIII, Cap. 43). O óleo teria brotado numa "taberna meritoria", ou hospedaria, talvez um simples prostíbulo ou, segundo outros, um asilo para legionários velhos ou estropiados; e o inusitado facto seria posteriormente interpretado pelos cristãos como prenúncio miraculoso da vinda de Cristo, pelo que obtiveram do imperador Alexandre Severo a posse do estabelecimento. De acordo com a tradição, sobre esta "fons olei" edificaram os Papas Calisto I e Júlio I, nos sécs. III e IV, a igreja de Santa Maria de Trastevere, a mais antiga de Roma.
Também Eusébio, bispo de Cesareia e primeiro historiador do cristianismo, nos diz na sua "Crónica", preservada por São Jerónimo no séc. IV, que sob Octávio Augusto "brotou óleo da terra, numa taberna meritória na outra margem do Tibre, e manou durante todo o dia sem interrupções, significando a Graça de Cristo aos gentios"; e informa, por outro lado, que aquando dos funerais de Júlio César haviam sido vistos em Roma, entre outros portentos que ocorreram no mundo, "três sóis que se ergueram em simultâneo, tendo-se gradualmente reunido num único" (23, Olimpíada 184). Já Plínio o Velho afirmara que na morte de Júlio César fora visto um prodigioso eclipse do sol, de longa duração ("prodigiosi et longiores solis defectus"), mencionando ainda outros casos semelhantes (17, Livro II, 30-31). O episódio dos três sóis viria a ser vulgarizado nos finais da Idade Média através de uma xilogravura inserta no célebre incunábulo "Crónica de Nuremberga", de 1493 (20, f. XCIIvº).
Estes temas - o óleo que brota repentinamente, os sóis que misteriosamente despontam e as imagens de deuses pagãos que subitamente caem - vão ser entendidos pelos apologetas cristãos, numa apropriação simbólica, como prefigurando a vinda do Salvador: como escreve o historiador e teólogo bracarense Paulo Orósio, que viveu nos sécs. IV/V, tratar-se-ia de sinais que anunciavam a germinação de um novo tempo, "germinantia tempora christiana" (15, Livro VI, 22).
A "Primeira Crónica Geral de Espanha" mandada redigir por Afonso o Sábio no séc. XIII (1, Cap. 122, p. 97) relata-nos as três tradições. Relativamente à dos sóis, diz-nos: "En aquel anno [início de Octávio] otrossi aparecieron a los romanos tres soles a parte de oriente, et fueronse allegando poc a poco hasta que se ayuntaron et se fizieron un cuerpo et un sol"; e do facto deduzia que "avie a nacer Ihesu Cristo en tiempo deste emperador Octaviano, et que se mostrarie en el mundo la Trinidat manifiestamientre en una substancia et en un Dios". Por outro lado (Cap. 151, p. 108), menciona também "las estorias que a aquella ora que Ihesu Cristo nascio, seyendo media noche, apparescio una nuve sobre Espanna que dio tamanna claridat et tan grand resplandor et tamanna calentura cuemo el sol en medio dia quando va mas apoderado sobre la tierra". Referindo-se à Virgem, escreve: "E entonce, por que pario virgen, cayo em Roma el grand templo que fizieran a la deessa Paz de las pazes", tal como profetizara "el mal espirito que yazie en ell ydolo de cerca de Delos la ysla".
São Tomás de Aquino irá também mencionar e popularizar em todo o Ocidente cristão o tema dos três sóis. Todavia, altera-o substancialmente, já que o localiza na Hispânia e não em Roma. Na sua "Summa Theologiæ" (2, Parte III, Questão 36, Artº 3), depois de se referir aos Magos, escreve: "No entanto, deve acreditar-se que alguns sinais do nascimento de Cristo apareceram também noutras partes do mundo: assim, em Roma, fluíu óleo; e na Hispânia foram vistos três sóis, que gradualmente se converteram num único".
Esta tradição, que se manterá constante ao longo de toda a Idade Média, irá ser retomada e vulgarizada nos sécs. XVI e XVII por diversos historiadores portugueses, nomeadamente Frei Bernardo de Brito, na sua "Monarquia Lusitana", e Manuel de Faria e Sousa, na sua "Europa Portuguesa".
Frei Bernardo de Brito e Manuel Faria e Sousa
Frei Bernardo de Brito (1569-1617), de nome Baltasar de Brito e Andrade antes de ingressar como monge na Ordem de Cister em Alcobaça, nasceu e morreu em Almeida. Tendo estudado em Roma e Florença, doutorou-se em Teologia pela Universidade de Coimbra e foi nomeado cronista-mor do Reino em 1614, após a morte do seu antecessor, Francisco de Andrada. Frei Bernardo de Brito iniciou o ambicioso projecto de redigir uma monumental História de Portugal em oito volumes - a "Monarquia Lusitana" - da qual apenas publicou o primeiro e o segundo, em 1597 e 1609. Após a sua morte, a obra foi continuada até ao quarto volume por Frei António Brandão. A historiogafia actual acusa-o de ausência de rigor crítico, misturando lendas e mitos, recorrendo frequentemente a falsas etimologias, e de inclusivamente ter falsificado documentos (a exemplo do que em Espanha faria o Padre Román de la Higuera com os seus falsos cronicões paleocristãos) pretendendo provar a antiguidade do Reino português e o seu surgimento como acto da vontade providencial de Deus: Bernardo de Brito escrevia em tempo de ocupação castelhana e não sentia grande apego à dinastia reinante dos Filipes. Nesse sentido, foi o fundador da chamada "historiografia alcobacense", pouco rigorosa nos seus métodos e que procurava antes do mais glorificar o passado português, numa época em que o país se encontrava submetido a Espanha, e promover o conceito de Lusitânia como arquétipo nacional. No entanto, e até finais do séc. XIX, a sua obra de profunda erudição constituiu a principal fonte histórica sobre o período da pré-fundação de Portugal. Para além da "Monarquia Lusitana", publicou ainda a primeira parte da "Crónica de Cister" (1602) e os "Elogios dos Reis de Portugal" (1603).
Manuel de Faria e Sousa (1590-1660) foi uma das mais relevantes figuras do seiscentismo português e um dos maiores eruditos do seu tempo. Nascido em Pombeiro (Felgueiras) de família ilustre, distinguiu-se como poeta, filólogo, historiador e crítico e editor de Camões. Entrou ao serviço do arcebispo do Porto em 1604, com apenas 14 anos, mas abandonou a vocação eclesiástica para casar com D. Catarina Machado, em 1614. Após a morte do arcebispo ficou desempregado e, em 1619, foi para Madrid como secretário particular de Pedro Álvares Pereira, secretário de estado de Felipe III para os negócios de Portugal. Regressando a Lisboa em 1628, vai em 1631 para Roma como secretário do embaixador português junto do Papa Urbano VIII, D. Manuel de Moura. Três anos depois regressa a Madrid, onde é preso à ordem do Santo Ofício devido a algumas passagens do seu extenso comentário sobre "Os Lusíadas" de Luís de Camões, sendo libertado a fim de três meses. Morre em Madrid em 1649, tendo em 1660 os restos mortais sido trasladados para o mosteiro de Pombeiro, onde se conserva a sepultura. Polígrafo e autor de uma vasta bibliografia, as suas principais obras como historiador foram publicadas em Lisboa após a sua morte, em língua castelhana: "Europa Portugueza" (1678-1680, 3 vols.), que teve uma primeira versão publicada em Madrid em 1628 ("Epitome de las Historias portuguesas"), "Ásia Portugueza" (1666-1675, 3 vols.) e "África Portugueza" (1681).
Sinais prodigiosos na Hispânia
Frei Bernardo de Brito começa por reproduzir Afonso o Sábio, mencionando a lenda da "nuvem tão clara, e resplandecente como o proprio Sol no ponto do meyo dia", passando depois a citar Laymundo Ortega, suposto autor português por ele descoberto e de quem teria recuperado no Arquivo do Real Convento de Alcobaça a obra "De Antiquitatibus Lusitaniae", escrita em 878.
Diz ele que "na parte Occidental da Lusytania, junto ao Promontorio Barbarico, que he agora a Serra de Arrabida, se vio por este tempo hua luz tão clara, como se o proprio Sol estivera naquelle posto. Forão todos estes sinaes aos vinte e cinco de Dezebro do anno tres mil e novecentos e sessenta e dous da criação do mundo (…)" (5, Parte I, Livro IV, Tít. V, p. 414). O nascimento de Cristo, a "luz do Mundo" que aparecera no Oriente, teria pois sido sobrenaturalmente assinalado por uma outra "luz" avistada no extremo Ocidente, onde terminava o mundo então conhecido.
Por seu turno, Faria e Sousa (22, Tomo I, Parte II, Cap. XVI, p. 243) começa por situar cronologicamente o nascimento de Cristo: "Era el segundo año del Imperio de Augusto, y del Mundo 3952. Segun Beda, y los Hebreos: Segun Eusebio 5199. Segun Orossio 5200. Segun Isidoro 5219. Segun los Astronomos 5328. Segun elRey D. Alonso 6984. Segun Juan Lucido 3960. (tanta es la variedad en esta cuenta!) y segun otros 3962. Y porque esto parece lo mas ajustado (y es lo que se siegue en esta Historia). Serian entonces 2432. del Dilubio, quando al caer de la Noche de 25 de Deziembre nació en el desabrigado Portico de Belem la Reparacion humana, com maravillosos anuncios de que nascia".
Depois de recordar o aparecimentos dos anjos aos pastores e a estrela que guiou os Reis Magos, Faria e Sousa salienta: "Entre los señales que manifestaron el cumplimento destas antiquisssimas esperanças de los desterrados y anhelantes hijos de la culpa comum en todo el Orbe, no pudo deixar de recivir la fidelissima España su porcion, como aquella que en la Mente Divina estava señalada, para superior Cultura de la moderna Viña, y del moderno Pan que se plantava y se desparzia abundante y graciosamente en la Tierra (…) Vió, pues, España aquela misma Noche, una dilatada nube tan llena de resplendores, que no solo alumbrava con el Sol la mitad del Cielo, si no que despedia calor como él proprio al mismo punto. Fue cayendo a apagarse en el mar Oceano, por hazer lugar al nuevo dia, que en virtud della no se dexava conocer, bañando ya com pujantes rayos las altas cumbres de los Montes." E, referindo-se ao Cabo Espichel, acrescenta: "sobre el Promontorio Barbarico (oy sierra de Arrabida) se vió patente otra Luz extravagante, parecida en mucho a essotra que fue comun a toda España."
O episódio da nuvem luminosa fora já relatado por outros autores anteriores. Luís Marinho de Azevedo, por exemplo, mencionara em 1652 a mesma lenda: "(…) e assi como no Oriente hua estrella annunciou seu felice nacimento, no Occidente deu delle noticia à gentilidade hua nuvem tam clara, & resplandecente, que alumiando como Sol tornava a noite em claro dia. Assi o affirmão o Bispo Dom Lucas, Morales, Padilha, Tamaio, & Matute alegando a Chronica general de Hespanha (…)"; e acrescenta, referindo-se à Península: "(…) concordão nossos Autores, que na parte mais occidental della se vio esta luz com maior claridade banhar os Orizontes" (4, Livro III, Cap. XI, p. 240).
A tradição assegurará que, alguns séculos mais tarde, outras luzes prodigiosas teriam sido vistas no mesmo local, dando origem ao cultos a Nossa Senhora da Arrábida e a Nossa Senhora do Cabo, que ainda hoje permanecem vivos no culto popular.
A queda dos ídolos
Se à "luz de Cristo" correspondeu, na Península Ibérica, a "luz" de estranhos sóis e nuvens que acabam fundindo-se num só ou mergulhando no Atlântico português, também à queda miraculosa dos ídolos de Roma e do Egipto virá corresponder a queda da imagem de Endovélico, o grande deus dos lusitanos, no seu santuário alentejano.
Frei Bernardo de Brito relata "que nesta mesma noite [do nascimento de Cristo] se achou no Templo do Amor, que estava junto a Vila Viçosa a estatua de Cupido desfeita, e o mandarão a Roma por maravilha. Mas o Emperador sem a ter em conta de tal, mãdou recolher a prata do Idolo, e fazer outro de metal dourado" (5, Parte I, Livro IV, Tít V, p. 414). O cronista refere-se ao santuário de Endovélico, mas mencionando-o erroneamente como um templo dedicado ao Amor e a Cupido; a confusão, que ocorre igualmente noutros autores da época, explica-se pelo facto de algumas das aras votivas consagradas a Endovélico apresentarem figurações de "putti" alados e de génios portadores de tochas incandescentes ("phosphoroi"), que permitiram a sua aparente identificação com Cupido. Assim por exemplo, João Baptista de Castro escreve no "Mapa de Portugal" de 1745: "As venerações, e cultos do amor candido saõ taõ antigos em Portugal, que jà em tempo de Carthaginezes havia templo em Villa Viçosa dedicado a Cupido, a cujo idolo, que era de prata, e chamavaõ Endovelico, hiaõ em romaria os Portuguezes fazer os seus sacrificios, offerecendo no principio de cada mez por vitima um cordeiro branco (…)" (10, Parte I, Cap. XIV, p. 321).
A exemplo de Frei Bernardo de Brito, também Manuel de Faria e Sousa assinala a queda da imagem de Endovélico: "Portugal (…) no se quedó sin ser particularmente avisado por semejantes postas. Porque en el Templo de Endovelico, cerca de Villaviciosa, cayó desde sus Aras al suelo la imagem de la Deidad alli gentilicamente venerada. Siendo de plata se rompió en diferentes pedaços, que por admiracion fueram embiadas a Roma, adonde hizieron admirabile armonia com los que de outros varios Idolos avian allá ruinado a las mismas horas" (22, Tomo I, Parte II, Cap. XVI, p. 243).
A queda de imagens de divindades na presença de Cristo, apesar de não figurar em qualquer dos evangelhos canónicos, constitui uma tradição antiquíssima. O tema é mesmo sugerido num texto profético do Antigo Testamento: "Eis que o Senhor chega ao Egipto cavalgando numa nuvem ligeira; e os ídolos do Egipto tremerão perante a sua face e o coração dos egípcios derreter-se-á no meio deles" (Isaías, 19:1). Será, no entanto, o evangelho apócrifo do Pseudo Mateus - o mais popular dos textos apócrifos ocidentais, dedicado a Maria e à natividade e infância de Jesus - que divulgará a história da queda dos ídolos na presença do Salvador, afirmando ter-se assim cumprido a profecia veterotestamentária: "Alegremente entraram no território de Hermópolis [actual El-Achmunein] e chegaram a uma cidade denominada Sotine e, como não conheciam ninguém que pudesse dar-lhes abrigo, entraram num templo que se chamava o Capitólio do Egipto. E neste templo havia trezentos e sessenta e cinco ídolos, a quem rendiam todos os dias honras divinas com cerimónias sacrílegas" (14, XXII, 2): "Mas aconteceu que quando a bem-aventurada Maria, com o menino, entrou no templo, todos os ídolos caíram por terra, ficando partidos em pedaços, e assim revelaram que não eram nada" (XXIII, 1).
Este tema conhecerá grande difusão a partir da divulgação impressa de obras catequéticas extremamente populares como a "Biblia pauperum" ou o "Speculum humanæ Salvationis", com a sua abundância de gravuras descritivas, figurando frequentemente na iconografia tardomedieval e prolongando-se em toda a pintura europeia até ao séc. XVIII. Frei Juan Interián de Ayala, que escrevia no primeiro quartel de setecentos, depois de aludir a alguns exageros imaginativos cometidos por artistas fantasiosos, continua a referir-se na sua obra "El pintor christiano" a esta queda dos ídolos do Egipto, asseverando: "Ni pretendo con esto, que en nada se derogue la autoridad de varones graves, que, confirman con su testimonio haber acontecido dos cosas en Egipto con la venida del Salvador. La primera, que entrando Christo en Egipto, cayeron los ídolos: y la segunda, que quando iba acercándose el Señor á la Ciudad de Hermópolis, un árbol muy grande, y elevado, como tributándole reverente obsequio, se baxó, é inclinó. Hacen mencion de uno, y otro hecho Autores dignos de toda fé. El primero lo refiere Paladio, el qual, ya que no fué testigo del hecho, fué á lo menos testigo ocular del lugar donde sucedió, y de la fama, que todavía duraba. Dice, pues, este Escritor: Ví tambien á otro Varon santo en la Thebaida, en los confines de Hermópolis, donde vino el Salvador con María Santísima, y S. Joseph, cumpliendo el vaticinio de Isaías. Y poco despues: Ví tambien allí (dice) un templo, donde, habiendo entrado el Salvador en la Ciudad, cayeron en tierra todos los simulacros. Lo mismo cuentan Sozomeno, Casiano, y Nicéphoro (…)" (3, Livro III, Cap. V, 3).
As imagens quebradas de Endovélico
Como descreveram os clássicos portugueses a imagem do deus Cupido/Endovélico?
Um autor do séc. XVI, Frei Martinho de São Paulo, relata ver-se "em hum serro alto fundado o templo de Cupido taõ vizitado, e venerado dos antigos Lusitanos, com o nome de Endovellico, que hoje se lê em algumas pedras daquelle tempo; e consta, que este templo de Cupido, que fundou Maarbal pelos annos de 340. antes da vinda de Christo, esteve no outeiro da Villa de Terena, que fica junto da Serra de Ossa, e à vista da Serra de São Gens". E assim descrevia imaginativamente a representação do deus e do santuário: "O Idolo era de prata, tinha os olhos cerrados, hum coração na boca, e azas nos pés" (16, vol. 13, p. 101).
Também Bernardo de Brito atribui a construção do templo ao cartaginês Mahasbal, que teria dominado parte da Lusitânia. Vindo da Andaluzia para Portugal, desembarcara em Porto Hanibal (que tem sido sucessivamente identificado com Sagres, Lagos, Alvor e Portimão) e ali aprisionara uma nau grega proveniente de Chipre, "sem valer aos pobres Gregos abraçaremse com os Idollos de Venus, e Cupido, que consigo trazião, como protectores de sua patria" (5, Parte I, Livro II, Cap. XI, p. 137). Tempos depois dirigira-se a Elvas e, feitas as pazes com os seus moradores, "andou vendo algus lugares da comarca, onde lhe deu hua doença terribilissima, de que se vio em termos de morte". Consultados os áugures, disseram-lhe que "o Deos Cupido estava muy irado contra suas cousas, e que lhe convinha restituyr a liberdade, e fazenda aos Gregos de Chypre, e pello desacato comettido contra sua imagem, fundar-lhe hu templo". Mahasbal "deu logo ordem á fundação do templo, acudindo os Portugueses com tantos gosto á obra, que antes do Capitão se partir dalli, foy acabada, e pósta no templo a imagem de Cupido, feita de prata finissima, da qual conta Alládio [Pedro Aládio, mais um dos autores só conhecidos por menção de Bernardo de Brito e que terá escrito um suposto "De Sacrificiis Antiquitis Lusitanorum"] alguas particularidades, dizendo, que o fizerão sem olhos, com o coração na boca, e huas asas nos pés, seguindo nisto a traça que os Cyprios lhe derão". O templo "frequentousse muito dos Portugueses, que de partes remotissimas vinhão alli offerecer sacrificios, e cumprir romagens, chamando este Idollo em nossa lingoa antiga Endovelico (…)".
Como seria, de facto, a imagem do deus? A maioria dos arqueólogos aponta como características a cabeça barbada, com farta cabeleira e um rosto denotando alguma idade e olhar sereno. Duas dessas imagens são de cronologia júlio-claudiana, época "em que os cidadãos do Império não usavam barba, nem penteados similares, concluindo-se assim estar perante um arquétipo iconográfico greco-latino vinculado à majestade divina masculina" (19, p. 83) e não da representação de ofertantes. O corpo do deus apresentar-se-ia desnudo, com um manto assente no ombro e a cair-lhe pelas costas ("clamys"), terminando junto à coxa esquerda.
Exitirá alguma prova de quem em tempos remotos as imagens do santuário de Endovélico tivessem sido destruídas? Curiosamente, sim. No decurso de trabalhos arqueológicos realizados no ano 2002 foram ali descobertas seis esculturas de mármore, todas mutiladas e datáveis dos sécs. I e II d.C.: um javali, uma cariátide, uma figura feminina vestida, uma portadora de oferendas com uma pomba na mão direita e um cacho de uvas na esquerda, um homem togado e um torso masculino com manto pelo ombro e empunhando uma vara ou lança, de ventre proeminente, que poderia ser a figuração do deus. As estátuas encontravam-se alinhadas, indicando tratar-se de um "depósito intencional destes elementos, que foram de facto "sepultados" no local depois de previamente mutilados" (11, p. 462).
As imagens quebradas encontravam-se na base da desaparecida ermida de São Miguel, tendo sido usadas como entulho para preencher uma cavidade no substrato rochoso e sobre as quais foi construído um alicerce e uma parede. Esta ermida foi edificada nas imediações do santuário romano em data incerta, em período visigótico ou já moçárabe; a deposição das estátuas mutiladas remonta assim, pelo menos, a essa época (recorde-se que o Codex de Teodósio ordenou em 15 de Novembro de 407, no seu livro XVI, 10, 19, a retirada das aras e das estátuas dos templos pagãos, com a sua destruição). O templo foi inteiramente desmantelado no ano de 1890 pelo arqueólogo Leite de Vasconcelos, com o intuito de recuperar as inúmeras epígrafes e diverso espólio escultórico reaproveitados para a sua construção. O arcanjo São Miguel, com o dragão derrotado a seus pés, é frequentemente escolhido para cristianizar locais de antigo culto pagão; a introdução do seu culto na Península não será anterior ao séc. VII, tendo registado enorme expansão durante o período islâmico e figurando em todos os calendários moçárabes. No local onde esteve a capela erguem-se hoje em dia apenas um monte, um estábulo e dois currais.
Vem a propósito recordar o que Frei Martinho de São Paulo escreveu: "Fizeraõ entaõ segundo Idolo de Cupido de fino marmore; porque derribando os Christaõs (…) o templo, tomaraõ o Idolo, e por ser obra excelente o meteraõ na parede da Igreja, que ahi erigiraõ, e dedicaraõ a São Miguel, na qual abrindo-se há poucos annos uma porta, que sahe para a casa do Ermitaõ, acharaõ o Idolo metido na parede, que os rapazes quebraraõ, e fizeraõ em pedaços, do qual eu ahi vi um pedaço, que era da perna, e joelho do Idolo (…)" (16, p. 101).
O santuário de Endovélico
Quer Bernardo de Brito, quer Faria e Sousa, situam o santuário de Endovélico nas vizinhanças de Vila Viçosa.
Na realidade, o santuário romano dedicado à divindade indígena Endovélico, depois cristianizado, situa-se no outeiro de São Miguel da Mota, em Terena, concelho do Alandroal. A única relação directa com Vila Viçosa reside no facto de algumas peças provenientes do santuário terem sido recolhidas no Convento de Santo Agostinho daquela vila, pelo Duque de Bragança D. Teodósio I, que mandou colocar sete lápides epigrafadas na frontaria do mosteiro (o que não constitui caso único: outras aras votivas foram integradas no santuário românico de Nossa Senhora da Boa Nova, também em Terena, a que Afonso X de Castela se refere nas suas "Cantigas de Santa Maria" sob a invocação de Santa Maria de Terena).
Escavações empreendidas em 2002 em São Miguel da Mota permitiram identificar "vários elementos arquitectónicos indicadores de antigas construções que usaram silharia de granito e elementos de mármore, ambos geologicamente estranhos ao local, sobretudo reutilizados nas construções recentes que ali se encontram (…) Uma recolha sistemática de materiais permitiu concluir que não subsistem vestígios de ocupações pré-romanas e que a utilizaçãode época romana parece circunscrever-se ao período compreendido entre o século I e os inícios do século III d.C. (…) No decurso das sondagens foi possível recolher um notável e variado conjunto escultórico, que se encontrava sepultado sob as estruturas da ermida, bem como três novas aras consagradas a Endovélico" (11, p. 415). As escavações provaram ainda que, ao contrário do que se julgava, não existe qualquer templo romano sob a ermida cristã, embora tenham sido encontradas estruturas aparentemente anteriores à edificação moderna do templo, nomeadamente sepulturas de inumação com lajes de xisto. Do mesmo modo, não se confirmou a hipótese de no local ter havido um povoamento da Idade do Ferro.
Ao contrário da opinião mais comum, o santuário estava localizado na encosta voltada a Nascente e não no topo do monte cónico, a 290m de altitude, onde viria a ser construída a ermida de São Miguel. O complexo edificado assentava numa sobreposição de plataformas ou socalcos de orientação Norte-Sul, ortogonalmente organizados e ligados entre si por rampas, constituindo assim um verdadeiro "santuário de terraços" (11, p. 474); trata-se do segundo exemplo conhecido na Península Ibérica, depois do santuário bético de Munigua ("Castillo de Mulva"), na província de Sevilha, datado de finais do séc. I d.C.
A avaliar pelas dimensões da cariátide encontrada - que mede 1,18m até ao peito, já que o pescoço e a cabeça se perderam - o recinto sacral incluiria forçosamente a existência de um edifício de grande porte, no qual ou junto ao qual se ergueriam provavelmente pequenas capelas e edículas - "aedolum (…) fecit", lê-se numa inscrição - para guardar as estátuas, as dedicatórias e os ex-votos dos peregrinos. Aliás, ainda no séc. XVI permaneceriam no local 96 colunas de mármore jónicas, dali mandadas retirar pelo Cardeal D. Henrique e levadas para o Colégio do Espírito Santo, em Évora; a crer nesta informação, seriam realmente notáveis as dimensões de todo o complexo.
O que parece não sofrer dúvida é o âmbito verdadeiramente regional do santuário, com o culto a Endovélico a desenvolver-se em ambas as margens do Guadiana e estendendo-se talvez até à província de Huelva, onde o topónimo Monte Andébalo poderia estar relacionado com o teónimo Endovélico, como já no séc. XVII sugerira o historiador sevilhano Rodrigo Caro, pretendendo que no respectivo cume teria existido um templo a ele dedicado (8, f. 201); a similitude dos teónimos parece, no entanto, "não ser mais do que aparente e sem evidentes bases linguísticas" (19, p. 80).
O complexo de São Miguel da Mota incluiria ainda, certamente, uma zona de comércio e uma zona de hospedarias para peregrinos, o que justifica a grande abundância de ânforas para preparados de peixe, de produção lusitana e gaditana, para vinho e para azeitonas em conserva, bem como de vários fragmentos de "dolia", vasilhame destinado à armazenagem de produtos alimentares, que ali foram encontrados (11, p. 434). É ainda possível postular a presença de uma oficina lapidar, onde os peregrinos encomendariam as suas aras, edículas e estátuas: os mármores utilizados provêm na sua maioria da zona próxima de Estremoz/Vila Viçosa.
Terena e a elevação de São Miguel da Mota teriam, deste modo, constituído um verdadeiro "axis mundi" simbólico, centro de forte irradiação religiosa e de peregrinações cultuais entre meados do séc. I e o séc. III d.C.
O culto a Endovélico
O culto a Endovélico é ainda hoje evocado no seu santuário de Terena por grupos de neopagãos e por sociedades rosicrucianas que ali promovem "cerimónias rituais" por alturas do solstício de Verão. Tendo conhecido uma extraordinária expansão geográfica durante o período romano, indicada aliás pelas variantes dialectais de grafia do seu nome - Endovelicus, Endovellico, Endovollico, Endoveleco, Ennovolico, Ennobolico… - está largamente documentado num vasto número de monumentos epigráficos (cerca de 90, recolhidos ao longo de 400 anos, e que constituem o mais notável conjunto epigráfico dedicado a uma só divindade encontrado em toda a Hispânia), aras, cipos, edículas e estátuas, surgindo como uma divindade paleohispânica, simultaneamente salutífera e ctónica/infernal, que a "interpretatio" romana assimilou a Esculápio.
Parecendo ser uma divindade tópica ("numen", "genius loci"), protectora do monte onde se implanta o santuário, Endovélico poderá ter sido inicialmente venerado no outeiro, num local sem construções, só posteriormente "marmorizado" pelos romanos (19, p. 84). Mas, para além de um deus tópico, era igualmente uma entidade salutífera (deus da medicina) e uma entidade ctónica e eventualmente psicopômpica, auxiliadora das almas na sua viagem no Além. Os diversos documentos epigrafados dão-nos disso conta: o deus estava sempre presente naquele local e dava sempre uma resposta aos crentes ("praestantissimi et praesentissimi", sempre actuante e sempre presente); transmitia aos crentes as suas próprias ordens ("iussu ipsius", "ex iussu numinis"); estas ordens eram emanadas das profundezas ctónicas ("ex imperato averno", "por determinação do Averno", expressão que se refere ao lago Averno, na Itália, onde se cria situar-se a entrada para o submundo); as indicações divinas eram dadas por intermédio de sonhos e visões ("ex visu") ou através de oráculos que respondiam aos consulentes ("ex responsu"). A prática da "incubatio" pode, assim, ser deduzida.
A prática de sacrifícios está igualmente documentada, por exemplo numa ara dedicada por Marcus Fannius Augurinus em que figuram, em três das suas faces, uma palma, uma coroa de louros (símbolos dos cortejos sacrificiais) e um javali. Também dali proveniente é uma estátua de um porco ou javali, certamente um ex-voto oferecido em acção de graças, para além de uma outra, claramente de javali, encontrada na campanha arqueológica de 2002. A oferta de ex-votos encontra-se amplamente comprovada, não só em árulas mas também em ofertas de metais preciosos ("signum argentum", lê-se numa epígrafe).
A presença de um corpo sacerdotal para interpretar os oráculos, ajudar os peregrinos nos rituais consagrados e para guardar as oferendas e cuidar do recinto deve ser presumida, certamente a par de outros funcionários. Os autores clássicos preocuparam-se em descrever imaginativamente o colégio sacerdotal de Endovélico e as cerimónias rituais a que procederiam. "Vivião em seus apozentos junto ao templo Sacerdotizas, a que chamavaõ Flaminas; governava-as hum Sacerdote; sacrificava-se hum cordeiro branco, que o Sacerdote abria pelo meyo; tirava-lhe o coraçaõ, que deitava nas brazas, e outras cerimonias, com que era venerado o Deos Cupido: ofereciaõ-lhe muitas ofertas, e ricos dons, arco, aljava e frechas de ouro puro, que lhe deo Amilcar Barcino quando veyo de Carthago; que permaneceraõ penduradas do Idolo até que entrando Julio Cezar em Hespanha, e vindo a conquistar estas partes, roubaraõ seus soldados quantas riquezas tinha este templo, e o de Venus", descreve Frei Martinho de São Paulo numa evocação fantasiosa (16, vol. 13, p. 101).
Também Frei Bernardo de Brito nos fornece pormenores imaginativos (5, Parte I, Livro II, Cap. XI, p. 139): "Ouve neste templo de Cupido alguas sacerdotizas, que o tinhão limpo, e muy concertado, as quais pella mór parte erão moças de gentil parecer, e da mais nobre gente da terra: avia tambem hum sacerdote, debaixo de cujo governo estavão todos os outros ministros do templo, a quem competia offerecer todos os dões, que alli vinhão, e matar nos primeiros dias dos meses hum cordeiro branco diante do Idollo: e por ser notavel o modo de o sacrificar, refirirey o que Alladio conta com mil particularidades, que deixo. Chegado o tempo do sacrificio, despia o sacerdote todos os vestidos ordinarios, té ficar nú, e depois lançava sobre si hua vestidura branca, tão cumprida, que lhe dava pelo peito do pé, e de tal invenção, que o braço, e espadoa esquerda ficavão descubertos, e tudo mais vestido, e tomando o cordeiro vivo, lhe abria o peito com a mão direyta, e com a esquerda lhe arrancava o coração e o lançava em hum fogareyro de brasas vivas (…)".
Os peregrinos deslocavam-se ao santuário de Terena a partir de uma vastíssima região em seu redor e constituíam uma verdadeira amostra interclassista da população. O arqueólogo Leite de Vasconcelos salientara já, em 1905, que eram compostos por "ricos e pobres; nobres, plebeus e escravos"; e incluem também militares. As aras epigrafadas falam-nos de "equus romanus" e nalgumas estátuas os ofertantes estão vestidos como a "toga praetexta", enquanto noutras há escravos que se apresentam nessa qualidade. As mulheres e as crianças (uma delas com um brinquedo) estão igualmente presentes em vários documentos iconográficos. Alguns devotos têm nomes indígenas: Antubellicus, Caturonis, Conicodius, Dobetianus, Mogolius, Paesicus. E há votos realizados em comum por pais e filhos, bem como votos cumpridos pela saúde dos filhos e filhas: Elvia Ybas "cumpriu de bom grado o voto prometido por sua filha"; e Iulia Anus ali foi depositar a sua oferenda para cumprir o voto "deixado pelos antepassados".
Endovélico foi, com toda a evidência, um deus extremamente popular. Mas terá sido, como é muito frequentemente afirmado, a principal divindade do "panteão" dos lusitanos? Nada o indica, muito pelo contrário. Que o santuário de Terena exerceu fortíssima influência numa larga área geográfica, é incontestável. Mas todo o santuário (à excepção do teónimo, aliás latinizado) é de carácter romano e não indígena: de origem romana é a quase totalidade dos ofertantes e dedicantes e de feição tipológica romana são as estátuas, os monumentos epigráficos, os relevos de certas aras, os elementos rituais e a própria iconografia do deus. "Estamos perante um santuário que parece ter sido edificado e organizado de raiz em plena Romanidade e segundo moldes tradicionais intrinsecamente greco-latinos", frisa José Cardim (19, p. 80). Por outro lado, se a deusa Atæcina - que com ele constituiria, para alguns autores, um par sagrado - está presente em grande número de santuários em toda a Lusitânia e mesmo fora dela, tal não acontece com Endovélico, cujo único santuário conhecido é o de Terena.
O templo da Rocha da Mina
O santuário ergue-se nas proximidades da ribeira de Lucefecit (ou Lucifece, Lucefece e Luçafece), um afluente do rio Guadiana de intrigante - e sugestiva - etimologia. Ao longo deste curso de água encontram-se povoados das idades do Bronze e do Ferro, como o Castelo Velho (habitado desde o III milénio a. C. até ao séc. X d.C., com povoação muçulmana) e o Castelinho, as antas de xisto do Monte do Lucas e o santuário pré-romano e romano da Rocha da Mina (7), que terá sido o primitivo santuário dedicado a Endovélico pelas populações indígenas antes de os romanos terem erigido um novo santuário no outeiro de São Miguel da Mota.
Implantado junto a um imponente esporão rochoso com vertentes abruptas, que o rio contorna num ângulo de noventa graus, aberto em rochedos quase verticais numa depressão natural rodeada por cabeços elevados que praticamente o ocultam, situa-se um altar com quatro degraus escavados e um poço que penetra no interior do rochedo, provavelmente relacionado com a prática da "incubatio", tendo ainda sido detectadas numa plataforma inferior estruturas habitacionais e talvez defensivas. Entre o espólio arqueológico encontrado salientam-se cerâmicas campanienses e ânforas de produção bética.
As populações locais afirmam que num pego junto ao rochedo existiria uma passagem para uma cavidade subterrânea. A implantação do santuário numa acentuada curva do rio apresenta semelhança com o que acontece noutros locais do Guadiana: no complexo rupestre do Alqueva, por exemplo, a maior concentração de gravuras paleolíticas surge próximo da curva mais acentuada do rio, enquanto o segundo maior conjunto se localiza também na segunda curva mais pronunciada.
Este santuário erguido num espaço natural, ou "nemeton", de cronologia ainda incerta, apresenta paralelos evidentes com outros santuários pré-romanos e/ou romanos dedicados a divindades do mundo subterrâneo, com escadas e pavimentos talhados na rocha, como os de Panóias (Vila Real de Trás-os-Montes), Pia dos Mouros (Valpaços), Penedo dos Mouros (Arcozelo, Gouveia) ou Castelo de Mau Vizinho / Castelo dos Mouros (Chaves). No Alentejo são apenas conhecidos o santuário da Rocha da Mina e um outro, descoberto em 2006 pelo arqueólogo Manuel Calado, no monte onde se localiza o povoado calcolítico de S. Pedro, no Redondo (Évora), apresentando os mesmos degraus escavados na rocha.
A origem pré-romana do santuário da Pedra da Mina está, no entanto, ainda por estabelecer firmemente. Para o arqueólogo Cardim Ribeiro, "nunca se poderá estabelecer uma relação minimaente segura com Endevellicus, restando quando muito assinalar a existência destoutro possível local de culto - pré-romano ou não - de divindade(s) ignota(s) nas margens sobranceitas à Ribeira de Luciféce" (19, p. 80).
Para visualizar o santuário: http://megasettlements.blogspot.com/2007/02/bend-of-rocha-da-mina.html.
BIBLIOGRAFIA
(1)ALFONSO o Sábio - "Primera Crónica General de España", ed. Ramón Menéndez Pidal, Madrid: Gredos, 1955 (2 vols.)
(2) AQUINO, Tomás de - "Summa Theologica": http://www.newadvent.org/summa/ (em inglês); http://www.corpusthomisticum.org/iopera.html (em latim)
(3) AYALA, Juan Interián de - "El pintor christiano, y erudito, ó Tratado de los errores que suelen cometerse freqüentemente en pintar, y esculpir las Imágenes Sagradas, etc.", tr. de Luis de Durán y de Bastéro, Madrid: Editora Joaquín Ibarra, 1782. (1ª ed. em latim, Madrid, 1730)
(4) AZEVEDO, Luís Marinho de - "Primeira parte da Fundação, Antiguidades e Grandezas da mui insigne Cidade de Lisboa", Lisboa: Officina Craesbeckiana, 1652
(5) BRITO, Frei Bernardo de - "Monarchia Lvsytana", Lisboa: Pedro Craesbeeck, 1632 (1ª ed. 1597)
(6) CALADO, Manuel João Maio, BARRADAS, Manuel Pisco e MATALOTO, Rui Jorge Lopes - Povoamento Proto-histórico no Alentejo Central, in Revista de Guimarães, Actas do Congresso de Proto-História Europeia, I, Guimarães, 1999
(7) CALADO, Manuel - "Endovélico e Rocha da Mina: contexto arqueológico", Ophiussa, Lisboa: Instituto de Arqueologia da FLUL, 1, 2003
(8) CARO, Rodrigo - "Antigüedades y principado de la Ilustrísima ciudad de Sevilla y Chorografía de su convento iurídico o antigua Chancillería", Sevilla, 1634
(9)CASSIUS, Dion - "Histoire romaine de Dion Cassius . Tome premier, contenant les fragments jusqu'à l'an de Rome 5452", F. Didot frères, 1845
(10) CASTRO, João Bautista de - "Mappa de Portugal, etc.", Lisboa: Off. Miguel Manescal da Costa, 1745
(11) GUERRA, Amílcar, SCHATTNER, Thomas, FABIÃO, Carlos e ALMEIDA, Rua - "Novas Investigações no Santuário de Endovélico", Revista Portuguesa de Arqueologia, vol. 6, nº 2, 2003 (http://www.ipa.min-cultura.pt/pubs/RPA/v6n2/folder/415.pdf);
"Bericht über die Ausgrabungen im Heiligtum des Endovellicus", "Madrider Mitteilungen", nº 46, 2005
(12) JERÓNIMO, São - "The Chronicle of St. Jerome", http://www.tertullian.org/fathers/jerome_chronicle_00_eintro.htm
(13) LUNA, Carlos Eduardo da Cruz - "História e declínio de três povoações na fronteira", Diputación de Badajoz (http://www.dip-badajoz.es/publicaciones/reex/rcex_2_2006/estudios_15_rcex_2_2006.pdf)
(14)"Los Evangelios Apócrifos", ed. Aurelio Santos Otero, BAC (Biblioteca de Autores Cristianos), Madrid, 1956
(15) ORÓSIO, Paulo - "Historiarum Adversum Paganos"
(16) PEREIRA, Paulo - "Enciclopédia dos Lugares Mágicos de Portugal", Lisboa: Público/Tema e Debates, 2006
(17) PLÍNIO - "Naturalis Historia" http://penelope.uchicago.edu/Thayer/E/Roman/Texts/home.html
(18) PURIFICAÇÃo, Frei António da - "Chronica da Antiquissima Provincia de Portugal da Ordem dos Eremitas de S. Agostinho Bispo de Hipponia, & principal Doutor da Igreja", Lisboa: Manuel da Sylva e Oficina de Domingos Lopes Rosa, 1642-1656
(19) RIBEIRO, Cardim - "Endovellicus", in "Religiões da Lusitânia. Loquuntur Saxa", Lisboa: Mujseu Nacional de Arquelogia, 2002
(20) SCHEDEL, Hartmann - "Liber Chronicarum cum figuris et imaginibus ab initio mundi", Nuremberg: Anton Koberger, 1493
(21) "Speculum humanæ Salvationis", ed. Adrian Wilson e Joyce Lancaster Wilson ("A Medieval Mirror", Berkeley: University of California Press, 1984, http://ark.cdlib.org/ark:/13030/ft7v19p1w6/)
(22) SOUSA, Manuel de Faria y - "Europa Portuguesa, etc.", Lisboa: António Craesbeeck de Mello, 1678/1679/1680, 2ª ed.
(23) "The Chronicle of Saint Jerome", www.tertullian.org/fathers/index.htm
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